não fique parado
você sabe, né
esfria.
Ato III - Filosofia
Banho. De banheira. De bacia. De chuveiro. De mangueira. De noite. De dia. Sempre saindo do banho... acho que o banho e o ato pós banho é um ir-sendo, é um ir-limpando. Acho que sabonete é uma concepção por demais metafísica. E bucha?! Bucha certamente é uma concepção patafísica. Mas entre patos e metas, mêta!
Apague esse cigarro. O cheiro insuportável e ensandecido da fumaça é insuportante e ensandecedor. Impregna. Mas se o telefone toca, o que você faz... façamos...
- Alô?! Boa noite!
- Sete dias...
A semana está aí. É tão fresca a memória dela partindo e ele já voltou. Nunca entende-se direito a volta dos que não foram, mas quando se estuda a semana é tão elucidativo.
- Quem é?
- Eu?!
- Pois sim...
- Eu?! ... Zébios.
Como está tudo escuro. Sempre esqueço de algumas coisas. A luz. Sempre apagada. O multiuso. Sempre aberto. A garrafa de vinho. Sempre vazia. De vazia em vasilha que a filosofia enche o papo. Ele não para de fumar porque não pode. Você não para de beber esse chá porque está frio. O roupão lhe recobre as costas. Vermelho sobre o pálido. Esqueceu de preparar o café. A toalha sempre enrolada na cintura. Com tal frio. Tal será o resfriado. Tire essa toalha molhada. Calce uma meinha. Os pés devem ficar quentes. Sinta o apelo que lhe vem. Morena. Ah! Não! Não me venha com desarrogos. Estou agourado, descourado, e acorado. Entrementes, entremorros, entre correntes emsimesmadas. Já pensou?!
- Que coisa! Zé.
E passamos semanas. E passamos quartos de semanas. E passamos semanas nos quartos. E olha o que vem... Cegonha do bico fino e da perna grossa, do branco cinza e da asa torta. E com torta na geladeira. Jantar romântico à luz de geladeira. Jantar românico, comida de fera.
- Pois é. Há quanto tempo?!
- Às vezes até parece que é mesmo.
- Sabia que estive me particularizando...
- Que coisa boa de ouvir... Mas, isso tem algum significado mais epistemológico, ou tangencia a ontologia de algum modo?
- A priori não, mas se pensarmos num a posteriori, a constituição do para-si se faz processual.
- Em se falando de processual, qual a sua perspectiva do seu ser homossexual?
- Que absurdo! Está me ofendendo?
- Não. Estou despojadissimamente perguntando se você resolveu seus problemas...
- Ah! Pois sim.
- Pois sim, isto é, agora você é?
- Pois não. Não sou. Sou apenas um desempregado estrutural, mais um fruto das metamorfoses do mundo do trabalho.
- Que bonito! O amor é lindo. Eu sempre soube.
- O quê?!
- É. O amor. Que mexe com a sua cabeça e lhe deixa assim...
- Menino... Quem lhe disse que eu estou amando?!
- Amar é trabalhar com a uva.
- É. Eu sei...
- Sabe?
- Sei...
- Do quê?
- Da uva do amor.
Suspiratio. Piração. Piracema... Sobem os peixinhos. Sobe meu deus. Sobe.
- Tá in love... hehehe.
- Mas amar é que nem chupar uva. Você chupa o caldo e cospe o carocinho.
- Não era sobre essa perspectiva que eu via. Era algo como, você pisa na uva e acaba produzindo vinho.
- Alguém já lhe disse que você tem uma língua muito poética?
- Aoua! Sai fora. Que papo mais guei.
- Eu não sou guei.
- Mas fica aí me cantando...
- Bufólico!!!
- O quê?! Está me categorizando?!
- E vou lhe lembrar de uma coisa.
- Não esqueci nada...
- Não tem problema, vou lhe lembrar assim mesmo.
- Do quê?
- Deixa eu lhe lembrar!
- Lembrintão!
- " Se teu 'kanto' é bonito, cuida que não seja um grito"!!!
Gritou espavorado, endemoniado, anarcástico.
- Se eu canto cantigas kantianas o problema é meu. Mas não me categorize!
- Bufólico transcendental a priori!!!
- Viadinho!!!
- Sugiro que a gente deixe de lado a discussão.
- Foi você quem envolveu Kant e o jumento Fodão.
- Foda-se. Próximo assunto da pauta.
- A reunião terá teto?
- Sugiro que seja ao ar livre. Sem-teto.
- MLST...
- Vamos quebrar tudo.
- Estamos no seu carro...
- Ops. Sem quebradeiras entã... No meu carro?!!
- É.
- Quem disse?
- Uai. Kiki.
- Da novela?!
- Não, idiota!
- Do Dostoiévski?!
- Não. Kiarostami, o afixionado por carro.
- O das abbas..?
- Que abas?
- Abbas, de chapéu panamá, ou... abbas, de banda dos anos setenta, estou em dúvida.
- Que história mais filha dum cabrumco é essa?
- Ser ou não ser, eis a questão. Sócrates.
- Uma bola rola na rua da escola, e rola novamente, mas já não é a mesma bola, nem a mesma escola. Isso é Sócrates.
- Por quê?
- Por causa da bola, ora. Sócrates, bola, bola, Sócrates, timão...
- Ã! Estoy confundido... Sócrates, bola, timão..? Timão? Isso é coisa de pirata, de Cristovão...
- Buarque...
- Chico...
- Science.
- Fiction.
- Pulp...
- ...íla. Cego.
- Cegonha...
-... De bico fino e de perna grossa, de branco cinza e de asa torta!
- Como você sabe?
- Cantiga de cego. Estude fenomenologia e será capaz de entender o fenômeno.
- Em época de copa, realmente é necessário entender o fenômeno...
- Ai! Não é isso idiota!
- Do Dostoiévski?
- Senhor... Eu?! Zébios... Que pecado cometi.
- Ser guei, talvez.
- Eu não sou guei!!!
- Desculpe, foi sem querer.
- Por obséquio, me escute.
- Que Obséquio? É algum primo seu, seu irmão?
- É um personagem do O-men.
- Do X-men?
- Não do O-men mesmo, veio antes. Imbecil. Cale e me escute!
- Tá.
- A obsequiologia é uma importante escola filosófica...
- Ti.
- Tudo isso é um obséquio...
- Bi.
- Mas o obséquio é o em-si de um fenômeno denominado...
- Tá.
- Vasilha. Vasilha é o fenômeno.
- Ti.
- Está me achando com cara de bebê?
- Kaspar...
- O quê?
- Entendi. É meio complexa essa filosofia. Carrega em seu bojo algo pontyagudo... É preciso ter cuidado, para mais tarde não sofrer... Só estou herzoguiando minha guela... Kasparrr!
- Você já se imaginou nu? O homem nu?
É hora da refeição. Famélicos as amélias, os pretos salpicados, os rostos ruídos pela fome, está, moça alta, esguia, de grande porte, maior que deus e pior que o demo. Desfila nas passarelas... Das rodoviárias, sobre as rodovias, sobre as crateras onde trabalha o homem que a vê e por inveja quer matá-la, já a possuiu, hoje nada mais. Está frio, preciso de um corpo quente, que segurando um copo quente, aguente e me experimente, mas não me invente em belo estruturalismo, de pieguismo semiológico, um antropológico engodo de dissimulação.
- Partidário! Seremos partidários. Façamos a revolução!
- Dialeticamente vamos dançar um tango?
- Tudo bem.
- Flôrestan Menezes. Ligue suas caixas de som, prepare a mesa. Coloque um tango eletroacústico e rústico puxe seu par. Seja singelo. E com gelo, uísque. Fico com minha dama, você, de xadrez. Descartados em descartes cartesianos.
A toalha até já secou. A arma está descarregada. O fumo desfeituoso.
- Por obséquio.
- Isto é que foi um obséquio.
- Obséquio é esse trem...
- Esse trem é vasilha.
- Essa vasilha que não passa.
Piuiiiii. Lá vai o trem. Em-viado. Rs.
Um comentário:
Nem fleuma, nem cólera, nem melancolia. Riso.
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