quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Uma carta [Vigésimo Quinto de Agosto]



[Há muito mandei uma carta (e-mail). Hoje releio e revelo]

Olá Truta! (Saudação schubertiana, própria da região vienense do baixo reno).


"I love you Robert, nothing is bigger than our love!" (Frase que me impactou no último filme que assisti, frase da novela que estava passando na televisão.) Além do Desejo (produção dinamarquesa de baixo custo!), título audacioso. O filme um drama forte, meloso e com pitadas de humor, às vezes, um tanto ácido. Como um novo Hamlet, mas sem o cenário imponente e feudo-aristocrático, além do meu desejo, o kine, passasse num subúrbio. Divertido. Divertido como tem sido minha vida. Tirando o dia de hoje, que foi, precisamente... Monótono.

Na vida de um tal de camarada Áigor (pronúncia própria de um certo regente Piegas, professor da cátedra de regência do hospício musical da UFMG.) a coisa anda, na verdade corre de modo bem estranho. Essa vida de estudante está um tanto amarga, não sei bem o que gostaria de estudar, tampouco me são feitas propostas mais sedutoras por quem quer que seja. Sobra-me a escolha entre o nada e o normal; escolha difícil, inda mais se se pesa a insonsesa da situação. No entanto, outras são minhas formas de excitação, menos depravadas e doentias que as do filme acima citado. Além da diária auto-erotização pianística, em que passo horas do dia, sozinho, exercitando minha própria capacidade de sentir prazer até o orgasmo tonal - tenho praticado o orgasmo atonal e orgasmo múltiplo (tonal+modal+atonal), mas em menos quantidade. Passo, agora, uma parte considerável de meu dia praticando, um tanto promíscuamente, formas de coito musical propriamente dito chamado vulgarmente de música de câmara. Como bem dito no nome, música de câmara, ou seja, música de quarto, pode ser praticada mais facilmente como um duo, e posteriormente, com a prática, ser ampliada a formação para trio, quarteto, quinteto, pode-se atingir um nível supra-orgástico de oito pessoas: combinação um tanto quanto difícil, mas muito eficiênte.

As relações sexuais são fugidias. Vêm como vão. Tão fáceis deitam, tão fáceis se dão, tão mais fáceis ainda se vão. Sobra-me um vazio que preencho com café e filosofia. C. chegou há pouco. Ligou-me logo. Contou-me muito. Quer ver-me, mas não me diz. Insinua como sempre. Insinua muito, como você ela não aprecia as afirmações claras e incisivas neste jogo de atração, afastamento e polaridades, neste jogo da sensualidade. Bebo café e filosofia, uma combinação forte, muitas vezes tira-me o sono. Assim que os faço, lembro-me invariavelmente de você. Uma combinação um tanto quanto joanesca esta de café com filosofia. Mais amarga fica a vida sem pessoas interessantes. Estas, como lhe havia dito, são cada vez mais raras. Por isso sou cada vez mais longe... Bério me sugere sempre uma textura lontano, sinto-me cada vez mais lontano tão mais próximo me enfiam a realidade. Hoje sou fumaça, onipresente e onisciente, como a fumaça do cachimbo que me seduziu. Comprarei um cachimbo! Mesmo que o que eu compre não seja um cachimbo, como o de Magrite.

Passei não tão bem o final de semana passada. Lavras foi uma experiência fria em minha vida. Só melhorei quando retornei ao belo e quente horizonte dos currais del rey. Tive ainda, decorrente da alimentação precária e irregular, e do excesso de bebidas alcoólicas uma crise desagradável de estomago que me presenteou com uma herpes bucal, aftas esparças pela boca e estomatite (aftas pequenas por toda a garganta). Nada passava pela guela sem que eu vertesse lágrimas. Lavei bem meu rosto esta semana. Fiz a barba, porém me senti mal, acho que cansei desta imagem limpa, impecável, que somente falseia minha verdadeira imagem. Tosco, erudito, ignominável, generoso, orgulhoso, preguiçoso, tonto, maluco, arrogante. ARROGANTE! Esta palavra me trouxe de volta à cutis aquela sensação de romantismo tardio alemão e churrasco brasileiro entre colegas de escola que circundou a nossa experiência num acampamento passado, muito passado da Gralha. Lembra-se? Discutimos arrogância. Um se utilizando de um referêncial nietzscheano outro da filologia, influência de L. talvez. Um Nafta, outro um Settembrini perdido nas regiões de represa do sul das minas gerais. Das montanhas alemãs aos mil platôs brasileiros!

Cortei meus cabelos. Quase que não fez diferença. Riram de mim, pois cortei tão pouco e paguei tão caro. Mas o fiz apenas para que a cabelereira passasse as mãos pelos meus cabelos desgrenhados. Ora! Um marido da cabalereira perdido nas lavras de uma lavras já sem pedras preciosas.

Mando-lhe um e-mail, pois não posso mandar-lhe uma obra musical executada por mim. Não agora.

Até mais querido amigo. Abraço-lhe o corpo e beijo-lhe a alma.

I.R.

domingo, 1 de agosto de 2010

O Tempo do Trinado [Um de Agosto]




Doce o som da novidade. Uma sonata de mozart segue uma canção dos Beatles. Assim é jogar ao acaso da sorte sua audição perdida em uma noite de domingo. Vai. Entre o direcionamento convicto da canção de língua inglesa. À sinuosidade de um segundo movimento bastante austríaco. O clima no reino é interrrompido por um terno eusébios que se põe a sonhar pelas mãos de Horowitz. A vida pode ser uma construção poética. A articulação que nos propomos engendrar só depende mesmo de nós. Seres [eternamente] entre alternativas. Assim. Um passo, um falso - quiçá um palco. Resta-me acompanhar um dançante Martin, numa constante rejection do que está certo como o português do poeta. Entre uma aguardente e um chá francês de maçã olhava morteiro o mar. Longe demais o horizonte dá linha ao mar - a pescar - que faz sombra na areia, enquanto passa um clarinte em duo num Messiaen. Enquanto passa um Jorge sambista. Enquanta passa Spice, Nelson e Girls. Assento meus ouvidos num belo noturno de Chopin. Resolvo fechar as malas que venho preparando conscienciosamente para São Paulo. Nela: um livro, um castelo branco, um Proust, um bloco de folhas alvas, o dvd de meu recital, o cd gravado e um branco, uma agenda da Pléiade, alguns lápis e uma caneta, minha música, minha ansiedade, alguma blusa de frio, uma expectativa, umas mensagens de amor e sexo a mais na caixa de entrada do celular, a lembrança de uma pianista. E dessa vez, o shuffle não funciona mais, continua o noturno de Chopin, assim como minha calma ansiedade. O tempo do trinado que escorrega feito melodia. Assim como uma música escorrega à outra. Assim feito frase de uma história que desliza página a página. Assim desfeito tempo, refeito novidade. A espectativa num arroubo de arpejos, num Saint-Saëns por Cortot. Fico com o trinado, altura incerta de onde pulo.

quinta-feira, 3 de junho de 2010

Teu silêncio, ou teu discurso,
Não importa, tanto faz, me deixa
Deserto, mas no deserto me alerta,
Me alenta, me conquista. Teu
Olhar, teu suspiro, teu sorriso.
Um brilho, tua cumplicidade.
Uma sombra, tua dúvida.
Um caminho, tua mão
Acompanha minha mão.
Teu rosto acompanha meu
Medo. E cedo eu penso
E tarde eu falo e longe eu
Choro e grito. Mas é teu
Abraço que me acalma e
Teu ouvido que me amansa.
Gratidão não é palavra,
gratidão é ação. Agindo
Feito criança da vida, sorrio
E teu sorriso não é solidão,
É carinho. E teu carinho é
Paz. E tua paz é uma
Amplidão que me atira
Naquilo que você chama vida
E que eu vejo drama.
Naquilo que você vê chama,
Vejo relação, vejo tortura,
Mas vejo paixão. Tua palavra,
Escrita, é minha perdição.
Teu verso datilografado,
Perfume. Teu sonho, minha
Ilusão. Amar e perder o
Rumo, o caminho. Deixar
Verter o rosto emoção.
Sou perdido e encontrado,
Sou amante de tua amizade
E de teus anseios quero ser
Proteção.

sábado, 22 de maio de 2010

O espaço que resta

O tempo nem sempre é
Longo demais para deixar contar
A história que passa, ou o olhar que troca
De lugar. O momento que fica, não é
De certo o mesmo que passa. O tempo...
Ah, o tempo é coisa que se vê, mas é coisa
Que não se acha. O rosto que eu vejo
Esconde o mundo que marcha e que perde
A cada passo um sentido. Você, querido, é
Forte, mas eu medido em palavras sou pouco.
O rouco de minha garganta é medo,
O certo de teus sentidos é a
Visão, que não embaça, é o seguir
De um caminho, que torna, turva e
Alastra vida a fora.
Viver é um temer o paraíso.
Viver é correr o caminho
Não-descrito. Viver é escrever
estranho e se permitir ousar o
Invisível. É encontrar no insensível
O forte e no movido o esquisito.
Um deixar-se estranhar,
Um deixar-se perder. Um ser
Sempre acompanhado daquele
Não-ser que persegue. Você,
Longe, perto, ou arredio
Nunca é sombra é sempre
Vívido. Um tempo, longo ou
Curto, que se embola
E leva para o sempre o
Antigo medo de se perder
Nas horas. Coragem é paixão
De dentro para fora. É risco
Deixado no correr da vida.
Viver. É ser não sendo.
Ser vivendo amizade.
Mesmo que o traço seja
Longo e o risco tenso.

quarta-feira, 19 de maio de 2010

Conversas Noturnas

eu tenho isso que te disse... vazio.
desrazão.
não sei o que fazer... e acho não ser muito comunicação.
pelo menos vivo meio que asfixiado pelo fato de ver tudo com distanciamento, como se minha vida real não fosse o que vivo, e o que vivo fosse de fato um teatro.
é um como se possível, um sair de si e do mundo e se ver e o ver de longe... assim como se nada fosse realmente importante!
venho andando caminhando e fazendo as coisas deitadas na crença dos outros...
e vejo minha crença em meu próprio vazio.
um perdido desconsolo. Um perdido sem muitos beijos, um amargo da distância. uma proximidade de corpo do mundo e um longe de alma ao mesmo tempo!
sinto um sufocar de não sei o que... sinto desfeito meus sentidos... perdido em trapos que não consigo costurar com mais nada... um viver aos pedaços que dando sentido, um sentido não me passa.
não me comunico, não me explico, não me entendem.
sofro de silêncio e em silêncio. Uma carta sem coragem que meu olhar escreve torto... Um beijo sem gosto ao amanhecer da vida...
um espaço troncho no canto da minha cama, ocupado por mim e desocupado de desejo.
sinto o seco do desejar pouco.
vivo um ácido destempero.
levo a polêmica como companhia, mas destituída de sentido, perdida de suas cores. Já não sei se sou mais o eu que fui outrora, ou se sou em outros sabores.
sou leve sensação, que de tão ligeira, so me causo rasteira e dor. Uma profusão de desrazões. um perdido de olhar. um vagar sem companhia. Uma paixão vazia. um toque sem tato. Um antigo olfato. Um beijo. Um parto. Um morto dormir.
sou um desaguante riacho. Um fiasco rumor. Faço o papel tácito do amador. E me desfaço com ou sem dor, sem abraço, longe, bem longe do querer... Um desejo esfacelado.
sou um algo que não é piano, não é poesia, nem linguagem.

domingo, 2 de maio de 2010

Andanças

para silvinha,

O tempo passa e a graça fica,
o dia tarda e a noite estica,
acho graça do que não se explica
e o que se fica é só fumaça
que arde os olhos, tapa a vista
e provoca as sensações.
Assim caminho tranquilo
roubando um beijo da noite
e ao dia levando um sorriso.
Se sou lembrança ou sonho?
Apenas me visto e revisto,
reservando em mim o mistério,
que revelo docemente, a cada
suspiro deixado, a cada olhar tristemente.
Andar pisando no tempo
sem medo de firmar o corpo.
Se perder pela contra-mão,
mas sem nunca morrer de graça.
Fazer sempre da razão o caminho
que ultrapassa.

segunda-feira, 5 de abril de 2010

Escuta

Solto em teus braços meus ouvidos
E me deixo abraçar por teus cochichos.
Meu olhar encantado solta um grito
E teu beijo me atira no silêncio.
Solto em teus sonhos meus carinhos
E susurro em teu caminho minhas dúvidas.
Minha mão deslizando em tuas angústias
E o teu suspirar me desfazendo.
Solto em meus desejos teu perfume
E me faço arrebatar por teu desenho.
Minha boca deixa escapar tua canção
E meu canto te aperta sem ruídos.
Solto em teus ouvidos meu discurso
E te escuto discursar fazendo um laço.
Meio torto e sempre tenso eu te abraço
E você me faz ouvir teus pensamentos.