domingo, 13 de setembro de 2009

Panis et Circensis.

Relou tá relado.
Queimou tá queimado.
Pelou tá pelado.

Boas noites.

Ato II - Circo

Cantado em Cantão sobre um tema de Kant
- Saudade palavra triste quando se perde um grande amor...
Aqui chove, mas chove, chuvisco. Como faz falta a garrafa de diesel que eu esqueci no quintal. Como faz falta o copo de veneno em cima do piano que se perdeu na canção. Rimar me faz muito mal. E álcool me deixa bão. E a Celite - antiga namorada de tempos imemoriais - sabe bem disso.
Partamos do princípio, já tão discutido, de que novamente estou escrevendo um e-mail. Estou mesmo. Após o banho é o que se tem de melhor para fazer, apesar de que se perder pela cozinha é também demasiadamente agradável. Se esconder atrás do botijão de gás e sentir seu pai xingando pelo perigo que correu. Brincar de se cortar com a faca e ser o herói das garotas... Cheio de cicatrizes... Rambo numa festa de arromba.
- Deus! Deeeus?!
Não lhes apresentei... Moro com um jovem. Moro com um macaco, o Símeo. E com meu... Meu... Sei lá - conceito complexo - meu fígado que aglutinado com meu peixe-de-vidro-da-freqüência-nas-aulas-de-inglês, mais o cloro ainda impregnado em meus óculos de natação, meu ventrículo esquerdo e aquele neurônio aposentado por invalidez forma meu querido Deus. É de uma simpatia, de personalidade forte, não tem medo da vida, dá a cara a tapa, sabe? O perdi há um tempo, mas ele vive aparecendo e desaparecendo - gosta de vinho o safadinho. Ah!
Tenho muitas fotocópias ou fotostáticas ou foto-estáticas para tirar.
- A quanto tempo?!
- Há quanto tempo!
- Como você sabia do há. Estou falando, não escrevendo...
- ... Você deixou transaparecer. Mas. Há alguns dias apenas.
- O que é que tem alguns dias?!
-... Que eu não lhe vejo. Como você vai?
- Eu?! Zébios, meu querido, vou bem, bem demais, benzendo, benzido. E você?
- Eu não vou tão bem... Ainda dizem que sou homossexual.
- Meu amigo, todo mundo tem um lado meio boiola.
- Não!!! E se eu tiver os dois lados meio boiola?
- Desencana rapaiz.
- Quem disse que eu estou encanado?!! Mais respeito!!!
- Desculpe, não foi a intenção. Mas o que você pretende fazer para combater esse tipo de mexericos... Mexericos, mexericas, uns bons, outros maricas.
- Pretendo invadir grandes fazendas brasileiras de monoculturas.
- Mas isso é serviço de mulher, homem!
- Que coisa!
- O que você pretende fazer para a páscoa?
O quarto está escuro. Não sei se faltou luz, ou esqueci de usar o interruptor para os devidos fins. Estou ouvindo Bach. Debruçado sobre Balzac e Dostoiévski olhando parte de meu Deus - meu peixe. Olhando a tela. Dizem que a César o que é de César e ainda que a sorte está lançada. Não sei o que fazer diante de pessoas que bebem do vinho do diabo, que se maqueiam para a alegria de outros, mas que não são pagliacci. Meu cabelo ainda está molhado. Agora do banho, não mais do suor de quem correu para pegar o ônibus, de quem correu do carro na contramão ou de quem correu de um ladrão sob os olhares vigilantes, impotentes e empedernidos dos outros na rua. Na chuva não se difere o que é lagrima ou o que é gota, a não ser pelo sabor, insosso ou salgado, como comida de panela que se mexe por demais. Escute o solo de violino enquanto passa a banda, passa o tempo, cai sua pálpebra, seu tio, seu nome, seu amigo, a afinação, a chuva e ele cozinha:
- Cordeiro!
- Pelo visto será um banquete. Terá vinho?
- Não.
- Por quê?
- Porque as uvas estão repondo aulas do período de greve na Faculdade de Julgar.
- Oh! Como elas trabalham.
- Estudam. Você já pensou na metáfora do chiclete?
- Metáfora, metádentro, metáfora, metádentro, metáfora, metádentro. Que metáfora?
- Não sei, mas dizem por aí que chiclete dá úlcera.
- Muitas coisas dão úlcera.
- Realmente.
- Dá úlcera se envolver. Não há nada pior que se envolver com a organização mafiosa das universidades públicas brasileiras.
- Ou se envolver com os burocratas do departamento nacional de trânsito.
- Ou ler Freud e se sentir sexualmente culpado.
- Ou ler Jung e sentir-se libidinalmente amputado.
- Político, ser político dá úlcera.
- Polido, ser polido dá também.
- Você não dá necessariamente porque é polido...
- ... Mas quem disse que eu dou?!
- Dá, dá, dá, todo mundo dá. Ramsés dá. São Francisco dá. Mao dá, dá mal, mas dá.
- Esse assunto não me agrada. Sempre pensei que poderíamos discutir a etnomusicologia. O facto musical. A orquestração em Ravel. Ou os dispositivos anti-cópias dos cds novos da Marisa Monte.
- Música de índio. Eu arranho o Tupy.
- Programa de índio.
- Preconceituoso.
- Não! Preconceituoso não. Carregado de perspectiva nietzschiana.
- Que absurdo! Agora anda dando explicações de cunho est-ético?
- Dentro do que é possível, Flô. Algum problema com isso?
- Eu?! Zébios, vê-se que não me conhece, que não me tem pela palma da mão. Não tenho nenhum problema com seu modo de responder às perguntas da vida, muito antes pelo contrário, você tem meu apoio irrestrito em suas escabrosas respostas. Posto que é chama, tudo vale a pena, até ir pra Ipanema.
- Pela palma da mão... É cigana, cigana que tem as pessoas pela palma da mão. Rs. E o negócio é Copacabana não Ipanema.
- Cada um usa das armas que tem...
- Por que você está falando isso?
- Porque é uma frase de efeito. Frases de efeito são para serem usadas naquele momento em que não se tem nada mais a dizer. É função fática da linguagem em sua mais requintada forma...
- Acho que é mais pseudo-erudição de almas-penadas da cultura de massa.
- Não seja neurótico. E acabou de usar uma frase de efeito.
- Não seja contra-revolucionário.
- Fico feliz em deixar-lhe. Estou cansado.
- Você está doente.
- Tusso porque o bacilo existe, não sou alegre nem sou triste, sou doente.
- É a tuberculose, mas tem cura, o Ney até faz propaganda...
- Ele faz propaganda é de hanseníase!
- Geléia de mocotó é sempre bom, aliada ao mingau de fubá com alho. Sua doença vem dos palcos.
- Não, é alergia das pinturas no rosto. Das salivas dos garotos que gritam meticulosamente por todas as entranhas. Da poeira da lona. Do cheiro acre das feras. Das ondas das praias nas férias. Do abandono sob a chuva. Das marcas nos rostos das anciãs e das marcas no rosto da ansiedade, da prova de legislação... Saudade, da prole do bebê.
- Peripatético como alguns jovens.
- Ah! Deus?!
Acabou a luz. Curto-circo-ito. Mas o e-mail foi.

Já que tá pelado

Um comentário:

Isabela Machado disse...

Acho você um pouco doido. Mas quando entendo um pouco parece que entendo muito e aí acho legal.
E também posso interpretar da maneira doida que bem entender.
Minha aula começa em alguns minutos e não quero parar de ler.