Relou (do verbo relar),
Apresento-lhes o mais novo, ou velho, teatro! Panis et Circensis! Peça essa dedicada à Cesar Phiattro, meu grande amigo de horas perdidas nos espaços virtuais. Ela é certamente parte de meu teatro diário! Um beijo a todos! Eu.
Ato I – Pão
Era... era... era, sei lá quantas horas, ninguém se preocupa com isso. E estava ele, em frente ao computador, sem computar nada, porque esse negócio-ócio de computar é coisa feia,
que a igreja condena,
coisa de freqüentador da Afonso Pena.
Mas estava ele lá, naquela vidinha besta do Carlos Drummond de Andrade, ou não, a vidinha besta neste caso não é a do Carlos, era a dele. Mas e se ele se chamar Carlos. Não ele não se chama Carlos e todo mundo sabe. Carlos é nome de poeta, violinista com tendinite, ou professor de música formado em direção teatral. Ele não é nada disso. Ele não é nada. Nada que interesse à história, pelo menos por enquanto.
O que esse ser estava fazendo no computador? Oras, escrevendo um e-mail - isso não é metalinguagem (outro jargão da indústria pornográfica) - o que mais ele faria além de entrar em site pornô e mandar e-mail, se ele não estivesse computando alguma coisa no computador. Nem entraria em site pornô. Antes ele era católico, não faria uma coisa dessas, que absurdo. Pecado. Hoje ele também não faria, não tem nenhum risco, ele mora sozinho e a graça está em fazer escondido. Logo, ele está definitivamente mandando um e-mail.
Devemos descrever o ambiente. Quarto com um computador, o que ele está usando, mas não para computar, já disse por quê. Cama. Escrivaninha. Cadeira de bar fingindo de criado-mudo. Taça de vinho. Bonés. Remédios. Garrafa de vinho. Livro. Crítica da Faculdade de Julgar, um desses livros que descrevem a estrutura da Faculdade de Julgar, deve ser uma dessas faculdades que entraram de greve. Molho de chave. Toalha molhada. Compact discs. Um par de dentes cisos. Tênis e mochila de natação. Som prateado. Óculos laranja, daqueles de fechação (isso é um jargão guei, aprendi na faculdade, mas acho que não era a Faculdade de Julgar). Tapete. E pessoa sentada.
Mas como ele estava escrevendo um e-mail, ele estava pensando. E pensou:
- Oi. Como você se chama.
- Eu?! Zébios. E você?
- Flô. Florestan Menezes, muito prazer.
- O prazer é meu.
- Essa história de prazer é muito problemática.
- É. Eu sei. Sempre é. Mas quem liga.
- Eu ligo.
- Liga pra quem?
- Depende. Ligo para o disk-água.
- Por quê?
- Porque a água acaba de vez em quando.
- É. Mas liga pro prazer?
- Mas existe prazer delivery?
- Esquece. Você anda meio cansado, mais do que antes.
- Você não me conhecia antes dessa conversa.
- Você que pensa. Você é o chato que toca piano e manda e-mails.
- Haha. E você?! Não toca mais? E também não manda e-mails?
- Só para lhe responder, sou educado.
- E eu sou comunista e daí?!
- Você leu o Manifesto?
- Sim.
- Ele também leu...
- Quem?
- Ele, aquele... O Pollini.
- É.
- E...
- Vou. Estou pensando e pensando. Acho que vou sim. O P-SoL é legal. Tem aquela moça.
- Mas você não tem medo de se decepcionar?
- Eu?! Zébios, meu amigo, quem não arrisca não petista, desculpe, petisca. Intelectuais engajados não podem entrar em extinção. Não podemos nos tornar simples ideólogos. Devemos entrar para a militância, lutar pela revolução, mesmo que isso custe nossa vida. De que valeria nossa vida...
- Você fala tão emocionadamente, até parece que você leu o Direito à Preguiça e o Em busca do Tempo Perdido.
- Mas li mesmo. Olha para minha cara. Acha que eu seria assim se não tivesse lido? Jamais.
- É. Existem coisas que se tornam estigmas para nós. Talvez nós nunca iremos perdê-los, por mais que lutemos.
- Dizem por aí que você é homossexual.
- E daí. Dizem por aí que você dança forró na aula de harmonia.
- Infelizmente não. Mas que dá muita vontade.
- Existem os que dizem que dança tem que ser espontânea. O Diaguilev dizia isso?
- Não sei. Ele falava russo. Eu não falo russo.
- Mas ele falava francês.
- Eu não falo francês também. Falo português pra brasileiro, inglês pra inglês ver e arranho o Tupy.
- Ah. Mas eu vou chorar. Porque eu não sou guei.
- Calma. Eu sei que você só vai à Jô porque gosta de música eletrônica.
- Eu nunca fui à Jô, nem no Jô e tô cansando. Se você dá pra Tupy eu dou pra Jê, não Jô. Nada de Jô.
- J... De Japão. Precisamos de revolução.
- Revolução harmônica.
- Revolução socialista.
- Revolução genética.
- Não, socialista mesmo.
- Sei.
- Sabe?! Sabe o Colegiado?! É isso que está acabando comigo.
- Nossa. Flô, que Colegiado? Da Faculdade de Julgar?
- Não. Antes fosse. Essa aí tá de greve. Não tá tendo reunião do Colegiado.
- Mudando da água pro vinho.
- Mentira. Estive no vinho desde o começo.
- Calma. Então do vinho para a água.
- Não. Continuo no vinho.
- Do vinho tinto para o vinho branco...
- Péssimo. Não gosto.
- Então. Mantendo o vinho e mudando de bolacha para o pão.
- Pode ser, mas nada de pão de forma, pão de sal, pão francês.
- Tá. Seu teminha aparece na música de Arrigo Barnabé.
- Ah?!
- É. Seu teminha de carnaval.
- E quem é esse Arrigo Barnabé? Personagem de Monteiro Lobato?
- Não. É o compositor que tem o nome na letra da música Língua rimando com Maria da Fé.
- Ah! Sei. Ele é bom.
- Nossa. Para quem não conhecia...
- Mas não há nada que uma boa referência e mingau de fubá com alho não resolvam.
- Eu sinceramente prefiro gemada.
Lá vai. Mensagem enviada.
Relou tá relado.
Queimou tá queimado.
Pelou tá pelado.
Boas noites.
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