Assim, numa noite de domingo, quando não podia mais olhar para ninguém, pois no rosto de todos via a mesmice que sua vida havia se transformado, pegou delicadamente o vinil, aquele disco a mofo, e deitou sobre o prato da vitrola, levou a mão à agulha, preparou-se com nostalgia e pôs a vitrola para tocá-lo. A água que fervia era, a princípio, para o café, mas como seu estômago lhe acenava com cautela, decidiu que melhor seria tomar um chá. No meio do caminho entre a sala e a cozinha considerou um plano diferente. Tomaria um suco. Foi o que fez, afinal, mudança era seu hábito. Estava com o copo de suco na mão, sentou-se na sala, na poltrona antiga que ameaçava se deteriorar, seu espírito também ameaçava se deteriorar, no entanto nenhum, nem outro cumpria sua ameaça. Se lembrara sim de desligar o fogo. A água, antes, pronta a se transtornar em bolhas, transformou-se em um espelho tranquilo. Mas ele, covarde, olhou de relance a água parada, sabia que ali estava escondido a dor que temia ver incrustrado em seu rosto. Com o olhar fugido e o copo de suco na mão deixou-se abraçar pelas almofadas adormecidas na poltrona. Numa noite de um domingo pálido, o refresco de um copo de suco gelado e o abraço sem braços de algumas almofadas eram as carícias, não desejadas, mas permitidas. Um acorde menor para um acorde maior e a música que escorria do disco para a vitrola e desta para a sala lhe conquistou a atenção. Era Schubert, era Arrau. O tempo triste acalmou-se e esperou passar o tempo da música. Um som sublime, uma frase cantada, um acorde súbito mergulhou-se em arpejos, uma sequência, noutra sequência, um tempo pintado em sons. E mudanças sempre, as variações. Tensão numa nota. Numa surpresa, o triste de seu dia de domingo improvisou um sorriso.
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