Continuando, meu caro leitor,
Um deserto de areia ou um deserto de gelo? O pior espreita na esquina do tempo, se enconde à sombra do ponteiro de meu relogio. O que fazer então. Sugerem uns que olhemos para o passado. Outros gritam ávidos de futuro. E ainda outros se deitam no presente, fazem da vida um esteira e se esticam ao sol, pois sabem que este nasce para todos. A cabeça perturbada desembrulha o escuro do quarto ao ascender o abajur. E se pergunta: "o que é que está acontecendo com o mundo?". O silêncio - interno, pois o externo morreu de velho - amedronta. E nesse medo todo, enquanto transpira pelas têmporas e treme as mãos se vê no Brasil.
No país de sete mil trezentos e setenta e seis quilômetros de litoral. Onde habitam quinhetos e treze deputados federais e onde deus resolveu por bem atirar micaretas para distrair a galera, vivemos o que talvez seja das mais bem elaboradas prisões ideológicas. Aqui não se trata de "filho feio não tem pai". Por aqui, na mais pura linhagem da lógica sábia do Rei Salomão, quem aponta o filho como feio é que é o pai. Os outros apenas vêem beleza na monstruosidade. Um jogo do contente transviado. Mas que é parte essencial desse espírito de alegria e receptividade próprio do brasileiro.
Há décadas atrás, da cabeça de um gênio contador de histórias saiu que vivemos no paraíso da miscigenação. Aqui não há negros, brancos ou índios, não, houve, houve sim, mas num ato darwinista de evolução apuramos a raça, como diria minha tia-avó de noventa anos (a mesma que diz sermos uma família de sangue azul - sempre quis saber quem pintou). Somos "a flor amorosa das três raças tristes" e ai de quem diga ao contrário! Ai de quem veja espinho, somos flor e pronto. Esse, que ousa não pensar, mas acreditar no contrário (porque pensar pode, acreditar no que se pensa que é perigoso) recebe a responsabilidade, ou antes, a culpa de criar o problema que pensou, que reconheceu. Faço-me entender: por aqui, temos o nosso esqueleto no armário, aqueles milhões de fantasmas, de problemas não somente econômicos, mas raciais, de gênero, sexuais, políticos, intelectuais e segue numa lista infinda. Esse esqueleto existe, mas que ninguém fale dele, pois é o velho medo dos velhinhos do interior de minhas gerais, não se deve falar certas coisas, pois elas acontecem, ou mesmo, o Lord Voldemort do romance de bruxinhos brasileiros, aquele que não deve ser nomeado. O que parece, ou melhor, o que se faz parecer é que aquele que reconhece, aponta e faz ver o esqueleto até então abandonado (ou esquecido - propositalmente) no armário assume para si o título de criador do referido esqueleto. Pois afinal, esse problema não existia, se foi você que viu é porque você o inventou. Assim, os que apontam os problemas por aqui, nesse paraíso das curvas femininas e do rítmo sincopado, das mulatas salto-alto e dos malandros de olhos verdes, é que são os criadores de causo. No país do carnaval, onde não entra raça e onde a mulher e o homossexual são tratados com grande respeito, mais do que deveriam até, vivemos um equilíbrio e uma harmonia tão grandes que nos permitimos até invadir o Haiti para fins didáticos: ensiná-los como um povo misturado, ou miscigenado, deve se portar. "Pacificamente", ciente de que os problemas não existem realmente, são intriga da oposição, ou melhor, são como chifre, aquela coisa que botam na sua cabeça. Como diz o ditado, não fique procurando chifre na cabeça de cavalo!
Adoro falar sobre identidade. E aqui, nesse Brazilzão, entre uma água de côco e uma porção de camarão, quem mais me ensinou sobre identidade foi um porco chamado Napoleão, que dizia que todos os animais são iguais, mas alguns são mais iguais que outros. Pois é, aqui todo miscigenado é igual, mas tem uns que são mais iguais. É por essas e outras que eu sou favorável às cotas para negros, não para diminuir a pobreza, mas antes para fazer mais iguais, alguns que não são tão iguais assim.
Um comentário:
não concordo com as cotas. mas diante de tudo isso, nem vou discutir. até porque, concordo com todo o resto.
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